Promovendo a Igualdade de Gênero: O Papel Transformador das Instituições Superiores de Controle
A busca pela igualdade de gênero é um imperativo moral, institucional e democrático que atravessa as fronteiras nacionais e demanda o engajamento de todos os setores públicos. No contexto das instituições superiores de controle (ISC), essa agenda adquire relevância ainda maior. Nossa legitimidade e efetividade também dependem de sermos instituições diversas, representativas e sensíveis às desigualdades estruturais da sociedade.
Nos últimos anos, várias ISC alcançaram avanços na incorporação da perspectiva de gênero, tanto nas estruturas organizacionais quanto nas práticas de auditoria. No Brasil, o Tribunal de Contas da União (TCU) busca integrar a equidade de gênero como valor transversal à sua atuação, fundamentando-se em dados, diagnósticos e ações concretas. Desde 2024, o TCU participa do Selo de Igualdade de Gênero para Instituições Públicas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), certificação que promove transformações institucionais em favor da igualdade substantiva entre mulheres e homens.
Essa adesão impulsionou o desenvolvimento de estudos sobre a participação das mulheres nos quadros do Tribunal, com ênfase nos processos de recrutamento, promoção, remuneração e ocupação de cargos de liderança. Os resultados apontam avanços importantes, mas também barreiras persistentes, muitas vezes invisíveis, que limitam a plena ascensão das mulheres, especialmente das mulheres negras, aos espaços de decisão. Em resposta, o TCU ampliou iniciativas, promovendo mudanças por meio de normas que estabelecem diretrizes de proporcionalidade de gênero nos cargos de liderança, criando estruturas voltadas à equidade, como a Diretoria de Fiscalização de Políticas de Equidade e Direitos Humanos, e diversificando a oferta de formação destinada ao protagonismo feminino.
No campo do controle externo, o TCU tem integrado o recorte de gênero em auditorias sobre políticas públicas. Em levantamento recente sobre a Meta 5.5 do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS 5), constatou-se que a participação feminina nos cargos mais altos da administração pública federal ainda é desigual, apesar da presença expressiva de mulheres na força de trabalho. Análises evidenciam a importância de superar barreiras institucionais, culturais e simbólicas que restringem a liderança feminina e apontam recomendações voltadas ao fortalecimento de políticas públicas com perspectiva de gênero.
No plano global, a Iniciativa de Desenvolvimento da INTOSAI (IDI) conduz, desde 2023, o programa Equal Futures Audit Changemakers (EFA), que prepara profissionais para liderar auditorias com foco em inclusão e igualdade. Utilizando o framework AWAKE, a iniciativa combina formação profissional, mentoria, redes de conhecimento e apoio institucional para desenvolver estratégias e auditorias voltadas a grupos em situação de marginalização como mulheres, pessoas com deficiência e migrantes. A participação ativa das ISC nesse programa fortalece sua capacidade de atuar como agentes de transformação social.
O webinário “Pequim+30: Revisão das Políticas Públicas Brasileiras para Equidade de Gênero e Direitos das Mulheres”, realizado em parceria com a ONU Mulheres e o PNUD, teve como propósito contribuir para os debates da 69ª sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW/69) e reafirmar o papel estratégico das ISC na promoção da equidade de gênero e no monitoramento dos compromissos assumidos pela Plataforma de Ação de Pequim, que completa três décadas em 2025.
Entre as ações de fortalecimento institucional, destacam-se também programas de cooperação voltados à liderança feminina no setor público. O “ProInter: Mulheres na Liderança”, promovido pelo TCU, reúne representantes de ISC membros da Organização das Instituições Superiores de Controle da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (OISC-CPLP), da Organização Africana das Instituições Superiores de Controle dos Países de Língua Inglesa (AFROSAI-E) e da Organização Latino-Americana e do Caribe de Instituições Superiores de Controle (OLACEFS) para discutir temas como direitos humanos e orçamento sensível ao gênero. Iniciativas como essa ampliam o alcance do conhecimento, fortalecem redes profissionais e demonstram o compromisso das ISC com a valorização da diversidade nas posições de decisão.
Outro exemplo relevante de ação coletiva é o trabalho desenvolvido pelo Comissão de Gênero, Inclusão e Diversidade (CGID) da OLACEFS, que coordena iniciativas estruturadas para a promoção da equidade nos tribunais de contas da América Latina e do Caribe. A Política de Igualdade de Gênero e Não Discriminação da OLACEFS, adotada por diversas ISC da região, oferece um conjunto robusto de recomendações relacionadas à gestão de pessoas, à cultura organizacional, à prevenção do assédio e à auditoria com perspectiva de gênero. Trata-se de modelo regional que pode inspirar práticas em outras partes do mundo.
Essas experiências reforçam que as ISC podem, e devem, atuar como catalisadoras da igualdade de gênero em múltiplas dimensões. Internamente, adotando políticas que garantam ambientes de trabalho equitativos, seguros e inclusivos. Externamente, qualificando auditorias e avaliações para que políticas públicas sejam mais justas, eficazes e sensíveis às necessidades de toda a população.
O compartilhamento de boas práticas, desafios e aprendizados contribui para o fortalecimento não apenas das nossas instituições, mas também da democracia e dos direitos humanos em escala global. A INTOSAI assume o compromisso de incentivar essa troca, apoiar a capacitação de seus membros e consolidar a equidade de gênero como valor estratégico do controle público.
A promoção da igualdade de gênero é uma responsabilidade compartilhada e estratégica para o fortalecimento das ISC. Ao unirmos esforços, ampliamos nossa capacidade de transformar estruturas, qualificar políticas públicas e construir instituições mais representativas, eficazes e comprometidas com os princípios democráticos. Que essa jornada coletiva nos leve a instituições mais inclusivas, a políticas públicas mais equitativas e a sociedades em que a igualdade seja não apenas um ideal, mas uma realidade vivida por todas as pessoas.