TCU Brasil – Carta do Presidente da INTOSAI, janeiro de 2024

22/01/2024

Qual o papel das instituições superiores de controle na questão dos imigrantes, refugiados e apátridas?

A Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados, de 1951, o Protocolo de 1967 e a Convenção de 1969 da Organização da Unidade Africana (OUA) definem migrante como a pessoa que se desloca dentro do seu país de origem ou para fora dele, sendo o imigrante aquele que chega de outro país, enquanto o emigrante deixa seu país natal. O termo refugiado se refere à pessoa que, por fundado receio de perseguição e risco de violência e violação de direitos humanos, vê-se forçada a deixar seu país de origem para buscar proteção internacional. Os apátridas, por outro lado, são pessoas sem nacionalidade e não são consideradas nacionais de nenhum país. Essas pessoas sofrem privações dos direitos mais básicos e são frequentemente perseguidas.

O fluxo de migrantes, refugiados e, em menor grau, apátridas, é um fenômeno social e uma realidade global. Este movimento é influenciado por vários contextos internacionais e muda ao longo da história e pode ocorrer tanto por meio de deslocamentos forçados quanto por movimentações voluntárias.

De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), atualmente existem 114 milhões de deslocados, principalmente em razão de conflitos. Filippo Grandi, o alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados, descreveu este fenômeno como “um sintoma tangível, mas muitas vezes negligenciado, da atual extrema desordem mundial” em sua apresentação anual no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), ocorrida em outubro de 2023.

No entanto, esses números não incluem todas as pessoas que compõem o grupo de imigrantes, refugiados e apátridas. Além dos conflitos, outros fatores, como condições socioeconômicas e, mais recentemente, fatores ambientais, motivam as pessoas a cruzarem as fronteiras de seus países. Eventos climáticos extremos, como furacões, secas e inundações, têm impactos diretos na vida das comunidades, muitas vezes forçando-as a migrar em busca de condições mais seguras e sustentáveis. O Relatório Mundial sobre Migração 2022, produzido pela Organização Internacional para as Migrações (OIM), estima que, em 2020, havia 281 milhões de migrantes internacionais no mundo, o que equivale a 3,6% da população mundial. Este número tem aumentado nas últimas décadas e a expectativa é que aumente ainda mais nos próximos anos. Para ilustrar a relevância da situação, o total de migrantes internacionais no mundo atualmente é três vezes maior do que na década de 1970.

Embora seja essencial reconhecer que a migração pode trazer benefícios, inclusive econômicos, para o país de destino, muitas vezes ela é vista como uma fonte de prejuízos e ameaças. Por isso, muitos países adotam políticas migratórias restritivas, as quais, muitas vezes, aumentam o risco de exploração e tráfico de pessoas que precisam e desejam migrar. Outro importante aspecto a se considerar é que um fluxo intenso de migração pode impactar negativamente a prestação de serviços públicos, como educação e saúde, devido ao aumento inesperado da demanda.

Mesmo que um país tenha uma legislação progressista e acolhedora, sob a ótica das políticas públicas, é importante ressaltar que apenas conceder a permissão de entrada não se mostra suficiente para garantir os direitos humanos e a dignidade daqueles que chegam ao país de destino. É necessário oferecer suporte mínimo e muitos são os desafios a serem superados para um acolhimento efetivamente humanizado e transformador da realidade dessas pessoas.

As questões migratórias são transversais e envolvem a garantia dos direitos humanos dos migrantes, refugiados e apátridas, pessoas que, geralmente, estão em situação de grande vulnerabilidade. Dados do Acnur demonstram que cerca de 75% dos refugiados em todo o mundo vivem em situação de pobreza (Refugees’ Access to Jobs and Financial Services, de 2023). Nesse contexto, as instituições superiores de controle podem desempenhar um papel importante na melhoria de condições de vida dessas pessoas.

Podemos realizar trabalhos de diferentes naturezas, não apenas para avaliar a conformidade, mas também para identificar riscos e oportunidades de melhoria nos processos e políticas relacionadas a esses fluxos migratórios, dando transparência à sociedade e propondo melhorias, se necessário e oportuno.

A Organização Internacional das Instituições Superiores de Controle (Intosai) apoia a iniciativa Equal Futures Audit Changemakers da Intosai Development Initiative (IDI), da qual participam as instituições de controle da Argentina, Brasil, Chile, Coreia do Sul, Costa Rica, Egito, El Salvador, Equador, Filipinas, Guatemala, Holanda, Honduras, Indonésia, Kosovo, Libéria, Maldivas, Mauritânia, Nepal, Palestina, Paraguai, Sérvia, Tailândia, Tunísia, Tuvalu, Uruguai e Vanuatu. O objetivo deste projeto é transformar um grupo de auditores em verdadeiros agentes de mudança que serão responsáveis por elaborar uma estratégia para suas respectivas instituições de controle, bem como realizar uma auditoria relacionada a temas de igualdade e inclusão. A migração é uma das causas relevantes de desigualdade abordadas nesta iniciativa.

A migração também é mencionada nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU, tanto de forma transversal em diferentes objetivos, quanto de forma específica, como no ODS 10 – Reduzir as desigualdades dentro dos países e entre eles, que tem como uma de suas metas “facilitar a migração e a mobilidade ordenada, segura, regular e responsável das pessoas, inclusive por meio da implementação de políticas de migração planejadas e bem geridas”.

O crescente fenômeno da migração emerge como um desafio crucial que requer atenção das instituições superiores de controle, colocando em evidência a necessidade de estratégias globais e cooperação para lidar com o influxo de refugiados.

A Intosai reconhece a importância de políticas públicas relacionadas às questões de migração no contexto de igualdade e inclusão. Como instituições superiores de controle, temos não somente a capacidade, mas o dever de agregar valor à sociedade no contexto dos fluxos migratórios e contribuir para a construção de um mundo mais próspero, justo e igualitário.